A aceitação irrestrita da declaração de pobreza no acesso à Justiça do Trabalho pode facilitar a inclusão, mas também gera riscos de abusos e sobrecarga no sistema judiciário. Entenda os impactos dessa decisão recente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), instância máxima da Justiça Trabalhista no Brasil, e os desafios para equilibrar justiça e responsabilidade. Confira abaixo:
Declaração de pobreza e acesso à Justiça do Trabalho
A aceitação irrestrita da declaração de pobreza pode, portanto, gerar um paradoxo: ao buscar facilitar o acesso à Justiça, pode acabar promovendo desigualdades e a prática de advocacia predatória
“No recente julgamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) realizado no dia 14 de outubro, em sua composição plena, formou-se maioria para reafirmar o entendimento de que a validade da declaração de pobreza como um meio suficiente para o acesso à Justiça gratuita. O julgamento em questão será concluído no dia 25 deste mês, já que na sessão de 14 de outubro ainda restaram divergências entre os ministros acerca dos possíveis desdobramentos que essa decisão acarretaria. A tese vencedora deverá ser aplicada por toda a Justiça do Trabalho, uma vez que se trata de um recurso repetitivo (IRR 21).
Embora a intenção de garantir que trabalhadores em situação financeira adversa possam acessar os serviços da Justiça mereça ser discutida, a aceitação irrestrita dessa declaração, sem a exigência de comprovações adicionais, pode gerar consequências indesejadas, prejudiciais e contraditórias com os atuais preceitos da Justiça do Trabalho.
O ponto central do debate reside na decisão do TST de considerar a declaração de pobreza como prova válida da insuficiência de recursos. Essa postura pode criar um cenário propício para abusos. A possibilidade de que indivíduos apresentem declarações fraudulentas para obter a gratuidade de Justiça levanta preocupações sobre a credibilidade do sistema.
A falta de comprovações adicionais que corroborem a condição de hipossuficiência do reclamante acaba por incentivar que trabalhadores, muitas vezes sem qualquer direito a ser requerido, se “aventurem” no Judiciário, uma vez que já sabem que em caso de uma possível perda do processo, não sofrerão nenhum prejuízo financeiro, já que ficam isentos de custas, assim como do pagamento de honorários, perícias ou qualquer gasto processual, sendo estes arcados pelo Estado. Além disso, não terão de pagar honorários de sucumbência.
Sendo assim, a falta de exigências adicionais para comprovar essa condição pode permitir que pessoas com recursos ocultos acessem a Justiça sem o devido ônus financeiro. Isso não apenas prejudica o princípio da justiça, mas também sobrecarrega um sistema já pressionado, o que vai em contradição aos preceitos apresentados de buscar-se reduzir os litígios.
Do mesmo modo, a respeitável decisão do TST acaba por abrir caminho a um problema crescente na Justiça Trabalhista, a advocacia predatória, já que o risco existente tanto para o advogado quando para o cliente é relativamente baixo, uma vez que o custo para ajuizar uma ação trabalhista é praticamente zero. Decerto os litígios não diminuirão se as pessoas sabem que sairão impunes em caso de ajuizamento de demandas predatórias e sem justificativa, visando apenas o lucro sem causa.
Conforme divulgado pelo Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede) da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, estima-se que a litigância predatória só no Estado de São Paulo gere um custo de R$ 1 bilhão por ano para a Justiça paulista.
A reforma trabalhista de 2017 introduziu novos critérios para a concessão da gratuidade de Justiça, estabelecendo um limite de 40% do teto da Previdência Social como parâmetro para determinar quem pode solicitar o benefício. Esse critério foi fixado com o objetivo de garantir que apenas aqueles que realmente precisam tenham acesso à justiça gratuita, contudo não é o que estava ocorrendo na prática.
Exigir comprovações, como a apresentação de documentos financeiros, é uma prática que pode proteger o sistema contra abusos. E ajuda a garantir que só aqueles que não têm condições de arcar com os custos do processo se beneficiem da gratuidade.
Assim, a aplicação de critérios mais rigorosos para comprovar a condição de hipossuficiência do trabalhador, e consequentemente a concessão do benefício da justiça gratuita, é essencial para manter um padrão de Justiça que não apenas atenda às necessidades dos trabalhadores, mas que também respeite os direitos das partes contrárias.
Outro ponto que dever ser levado em consideração é o impacto que a aceitação da declaração de pobreza pode ter no sistema judiciário como um todo. Conforme se verifica, mesmo após a reforma trabalhista houve um aumento acentuado no número de ações judiciais apresentadas, causando assim um congestionamento nas varas do trabalho no Brasil.
Um Judiciário sobrecarregado não serve a ninguém. A lentidão nos processos acaba por prejudicar tanto o trabalhador quanto as empresas, uma vez que cria um ambiente onde a Justiça, embora teoricamente acessível, se torna ineficaz na prática. Dito isso, a questão do acesso à Justiça deve ser tratada com a máxima responsabilidade.
Embora a defesa de um sistema que permita que todos acessem os serviços judiciais seja fundamental, isso não pode ocorrer à custa da equidade e da responsabilidade. A decisão do TST, ao permitir que a declaração de pobreza seja suficiente sem comprovações robustas, pode parecer um avanço em termos de inclusão, porém acaba por causar maior onerosidade para o Estado, e um aumento indevido de processos no Judiciário, já sobrecarregado.
Além disso, a Justiça deve ser um espaço onde todos são tratados de forma igual. Se alguns indivíduos podem se beneficiar de um sistema que não exige comprovação, isso cria disparidades que vão contra o princípio de que todos são iguais perante a lei. A aceitação irrestrita da declaração de pobreza pode, portanto, gerar um paradoxo: ao buscar facilitar o acesso à Justiça, pode acabar promovendo desigualdades e a prática de advocacia predatória.”
FONTE: Valor Econômico
Declaração de pobreza e acesso à Justiça do Trabalho | Legislação | Valor Econômico
Confira as principais publicações, artigos e entrevistas dadas pelos advogados da Palópoli para os mais diversos meios de comunicação.
Últimas Novidades de Imprensa:
16/10/24 - Entrevista da dra. Mayra Palópoli concedida ao Valor
3/10/24 - Confira a entrevista da Dra. Mayra Palópoli concedida ao Valor Econômico
Para dúvidas, críticas ou sugestões, entre em contato.
E-mail: palopoli@palopoli.adv.br
Tel.: (11) 3120-3453 | (11) 2639-8095
End.: Av. Angélica, 2.220, 5º andar
São Paulo / SP